Você sabe português ou acha que sabe?
Bom domínio da língua portuguesa é fundamental para quem vai enfrentar o mercado de trabalho. Mas por mais que todos saibam disso, ainda se vê em muitos processos de seleção candidatos que sentem dificuldade na hora de escrever uma pequena redação ou que ao escrevê-la comentem erros grotescos de gramática ou concordância verbal.A culpa desta realidade pode não ser somente do candidato mal preparado, mas também da forma arcaica na qual a língua portuguesa ainda é ensinada, como demonstra o texto de Sérgio Simka.
Por que não se aprende português?
Há nas pessoas uma sensação de que não dominam a língua portuguesa. Sensação que surge a partir do momento em que passam pelo processo de escolarização. E que as acompanha durante a vida toda. Sensação tão comum que se torna uma verdadeira crença: a de que a língua portuguesa é difícil e poucos são os que conseguem dominá-la. Essa crença na dificuldade da língua tem levado milhões de pessoas a atingir o fracasso de sua própria comunicação e expressão: exatamente por acreditarem na crença de que não sabem português, tornam-se incapazes de se expressar oralmente e por escrito (dentro do que acham ser o português "correto"). Mas até que ponto a crença de que o brasileiro não sabe português revela-se verdadeira?
Defendemos a tese de que é o nosso próprio ensino de língua portuguesa que produz e alimenta a crença na dificuldade da língua, para que poucos possam ter acesso a ela. E poucos é uma metáfora para denominar um segmento sociopolítico no poder. Em outras palavras, a língua portuguesa é usada como mais um instrumento de domínio, de poder, já que esse segmento domina as outras esferas, ou seja, somos dominados politicamente, socialmente, economicamente. A dominação (alienação) lingüística fecha o círculo. E como se trata de algo estrutural, institucional, ligado, portanto, a questões político-ideológicas, há necessidade de escamotear essa situação. Então, essa situação é atribuída não ao sistema de ensino que a gera mas àquele que dele se utiliza: o aluno.
Portanto, o aluno sai, após 11 anos tendo aulas de português, com aquela sensação de que não sabe a própria língua, com uma sensação de incapacidade, de fracasso perante seu próprio instrumento de comunicação. É o que chamamos síndrome de inferioridade lingüística: por ele se julgar incapaz, por ele ter aprendido a não saber português, ele realmente é incapaz de dominar a língua, de produzir um texto, posto que não adquiriu os instrumentos necessários que o levassem a ser um proficiente produtor/consumidor lingüístico.
Nesse sentido, o nosso ensino de língua é perverso: ao mesmo tempo que pretende levar o aluno a ter acesso à língua, o próprio sistema nega tal acesso. O papel da escola, como instrumento do segmento no poder, é manter, ao contrário do que muitos imaginam, um maior número possível de pessoas distantes do acesso ao poder. A progressão automática é a prova mais recente da produção do fracasso em escala industrial, bem ao estilo capitalista: a nossa escola está produzindo analfabetos com 15 anos de idade, que mal sabem redigir um simples bilhete.
O que deve ser mudada na escola é a maneira de ensinar essa língua. E a mudança deve começar na mentalidade do professor, que teima em ensinar a língua da mesma forma que aprendeu. O resultado desse método, como sabemos, é o fracasso a que estamos acostumados a ver no dia-a-dia, fracasso esse até com direito a quadro no Fantástico. Cabe ao professor, sem dúvida alguma, ensinar aos alunos a língua portuguesa, ensinando-lhes que o domínio dessa língua é necessário para que compreendam um mundo em que a totalidade das informações (jornais, revistas, leis, contratos, receitas, manuais etc.) vem escrita numa língua a que TODOS devem ter acesso.
Por isso o acesso a ela é uma questão de cidadania.
Sérgio Simka
